MOMENTO
CULTURAL NA EUROPA À ÉPOCA DA CODIFICAÇÃO
Para melhor
compreender as raízes da História do Espiritismo, seu desenvolvimento e sua
importância no tempo e no espaço, necessitamos verificar o momento
sócio-político-econômico, sob a ótica da França do século XIX e sua herança
racionalista, amplamente conhecida nas diferentes áreas do conhecimento
(filosofia, arte, ciências naturais, sociais, tecnologias etc.), bem como, nos
vários domínios da ação social (ética, política, econômica, revolucionaria, histórica,
etc.).
Deste legado
destaca-se a influência do iluminismo. O “estado nação”, a “imprensa”, o
“mercado”, a “ciência moderna”, a “democracia representativa”, a “Cultura secular”,
o “expansionismo econômico”, a “indústria”, o “equilíbrio dos três poderes”, o
“declínio da religião”, a “razão histórica”, o “progresso”, o “contrato
social”, a “superação do pensamento tradicional”, são algumas das invenções
culturais do iluminismo.
O século XIX
foi caracterizado por grandes transformações e inúmeras conquistas científicas.
A Europa
mergulhou em lutas renovadoras no âmbito social e político, notadamente a
França, o desejo de liberdade impulsionou as conquistas sociais:
Social: tutela dos princípios
democráticos pregados pelos pensadores do século;
Político: sob os efeitos da Revolução
Francesa e da Era Napoleônica.
Napoleão I
Bonaparte, imperador dos franceses, foi destinado a uma grande tarefa na
organização social do século XIX, contudo, não soube compreender as finalidades
da sua grandiosa missão. Bastaram-lhe algumas vitórias para que a vaidade e a
ambição lhe escurecessem o pensamento.
As ideias
liberais, resquício desta revolução, foram assimiladas, tais como: igualdade de
todos perante a lei e a liberdade de pensamento e de cultos. O momento político
e cultural da Europa propiciou as grandes invenções e descobertas científicas
que agitaram todos os ramos do conhecimento.
Ampère,
André Marie (1775-1836), cientista francês que estabeleceu a primeira teoria do
eletromagnetismo, o estudo dos fenômenos relacionados à eletricidade e ao
magnetismo.
Lavoisier,
Antoine Laurent de (1743-1794), químico francês, considerado o fundador da
química moderna.
Demonstrou
que, apesar da mudança de estado da matéria durante uma reação química, a
quantidade de matéria permanece constante do começo ao fim do processo. Seus
experimentos resultaram em evidências em favor das leis de conservação.
Pasteur,
Louis (1822-1895), químico e biólogo francês que fundou a ciência da
microbiologia, demonstrou a teoria dos germes como causadores de doenças
(agentes patogênicos), inventou o processo que leva seu nome e desenvolveu
vacinas contra varias patologias, especialmente conhecido por suas
investigações sobre a prevenção da raiva.
Mesmer,
Franz Anton (1734- 1815), médico austríaco famoso por afirmar que existia um
poder, semelhante ao magnetismo, que exercia extraordinária influência sobre o
corpo humano. Hoje se identifica este estado de transe como hipnose.
Realizou
pesquisas sobre as propriedades dos imãs, dos fluidos e do magnetismo animal.
Segundo a teoria de Mesmer (magnetismo), todo ser vivo possui um fluido
magnético que estabelece influências recíprocas entre os indivíduos.
Pestalozzi,
Johann Heinrich (1746-1827), reformador da educação, de nacionalidade suíça.
Suas teorias criaram os fundamentos do moderno ensino primário. Em 1799
inaugurou uma escola para crianças, na qual pôs em prática seus métodos durante
vinte anos.
Neste
centro, a criança aprendia por meio da prática e da observação, bem como da
utilização natural dos sentidos. Defendia a individualidade da criança e seu
desenvolvimento integral.
Foi
discípulo de Jean Jacques Rousseau; fundou a escola-lar para crianças em várias
cidades da Suíça, entre estas Yverdon, onde Allan Kardec estudou e lecionou
pedagogia.
A diferença
entre Pestalozzi e Rousseau que indica a superioridade de consciência moral e
religiosa em seu sentido mais elevado, é que Rousseau não foi capaz de
traduzi-la em atos e Pestalozzi projetou suas ideias em ação de amor e socorreu
crianças órfãs, educou pobres e ricos, ajudou a erguer um novo conceito de
educação, teorizando e praticando uma pedagogia do amor. Ele precedeu o
espiritismo não apenas em ideias, mas foi um fiel representante da máxima “Fora
da Caridade não há salvação”.
Os
cientistas sustentavam que sua função não era acreditar e sim, investigar; por
esta razão, a Ciência estava continuamente em constante progresso, deixando de
lado as velhas teorias incapazes de explicar os fatos.
Em função
desta postura, todos os campos do saber humano registraram descobertas,
invenções e sistemas, estabelecendo ideias fundamentais, acumulando
conhecimentos em todas as áreas.
A Filosofia
também se rendeu a essa onda renovadora.
Representantes:
Descartes,
René (1596-1650), filósofo francês, cientista e matemático. E também muito
conhecido pelo nome em latim, Renatus Cartesius. Pode ser considerado o
fundador da filosofia moderna por ter rompido com a predominância da
escolástica e fundado seu próprio sistema de pensamento. A frase Cogito, ergo
sum (Penso, logo existo) é a base de sua filosofia.
O método da
dúvida cartesiana apoia-se em quatro princípios: 1) não aceitar como verdade
nada que não seja claro e distinto; 2) decompor os problemas em suas partes
mínimas; 3) deixar o pensamento ir do simples ao complexo; 4) revisar o
processo para ter certeza de que não ocorreu nenhum erro. Com estas premissas, Descartes
criou a ciência empírica e influenciou todas as áreas do conhecimento humano. A
possibilidade do conhecimento humano é uma prova da existência de Deus,
considerado como uma ideia inata.
Afirma assim
que pensamento é algo mais certo que a matéria corporal, e descobre a realidade
inegável do Espírito. Pode-se dizer que a chamada revolução cartesiana foi
precursora da revolução espírita.
Kant,
Immanuel (1724-1804), filósofo alemão. É considerado por muitos o pensador mais
influente da Idade Moderna. A pedra angular de sua filosofia esta colocada na
obra Crítica da razão pura (1781), em que examinou as bases do conhecimento
humano e criou uma epistemologia (teoria de conhecimento) individual.
Seu sistema
ético, baseado na liberdade fundamental do indivíduo e na ideia de que a razão
é a autoridade ultima da moral: “Age de forma que a máxima de tua conduta possa
ser sempre um princípio de Lei natural e universal.”
Hegel, Georg Wilhelm Friedrich (1770-1831),
filósofo alemão. Suas primeiras reflexões referem-se ao espírito do Judaísmo
e do Cristianismo, e testemunham preocupações religiosas e históricas; o que
lhe interessava era descobrir o espírito de uma religião ou de um povo em seu
contexto histórico.
É o
representante máximo do idealismo e seu trabalho revela a influência do
pensamento grego e de autores como Baruch Spinoza, Jean-Jacques Rousseau,
Immanuel Kant, Johann Gottlieb Fichte e Schelling.
Seu
pensamento exerceu grande influência em autores como Ludwig Feuerbach, Brimo
Bauer, Friedrich Engels e Karl Marx. Entre suas obras mais importantes estão: A
fenomenologia do espírito (1807), A ciência da lógica (1812, 1813, 1816) e
Lições de História da filosofia.
Assim surgiu
o Iluminismo, pois suas concepções filosóficas baseadas no uso e exaltação da
razão encontravam respaldo nos pensadores da época.
Século das
Luzes ou Iluminismo, termos usados para descrever as tendências do pensamento e
da literatura na Europa e em toda a América durante o século XVIII, antecedendo
a Revolução Francesa. Foram empregados pelos próprios escritores do período,
convencidos de que emergiam de séculos de obscurantismo e ignorância para uma
nova era, iluminada pela razão, a ciência e o respeito à humanidade.
As novas
descobertas da ciência, a teoria da gravitação universal de Isaac Newton e o
espírito de relativismo cultural fomentado pela exploração do mundo ainda não
conhecido foram também importantes para a eclosão do Iluminismo.
Entre os
precursores do século XVII, destacam-se os grandes racionalistas, como René
Descartes e Baruch Spinoza, e os filósofos políticos Thomas Hobbes e John
Locke.
A Franca
teve destacado desenvolvimento sob o reinado de Luis XV (1715-1774).
Desenvolvem-se as ideias do iluminismo através de Voltaire (1694-1778), Diderot
(1713-1784) e Rousseau (1712-1778), que combatem a intolerância religiosa e o
absolutismo.
Outros
expoentes do movimento foram Kant, na Alemanha, David Hume, na Escócia, Cesare
Beccaria, na Itália, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson, nas colônias
britânicas.
O Século das
Luzes, ou Iluminismo, terminou com a Revolução Francesa de 1789, que incorporou
inúmeras ideias iluministas em suas fases mais violentas, desacreditando-as aos
olhos da maioria dos europeus contemporâneos. O Iluminismo marcou um momento
decisivo para o declínio da Igreja e o crescimento do secularismo (deixar de
pertencer à vida religiosa) atual, assim como serviu de modelo para o
liberalismo político e econômico e para a reforma humanista do mundo ocidental
no século XIX.
Devido às
contribuições valiosas a História da humanidade, o filósofo René Descartes e o
cientista Isaac Newton são considerados como os precursores do iluminismo. Para
o iluminismo, Deus esta na Natureza e no homem, que pode descobri-lo através da
razão, dispensando a função da Igreja.
Os ideais
iluministas estão presentes no mundo contemporâneo, sob variadas formas, tais
como: democracia, fraternidade, liberdade, igualdade e principalmente nas leis
que regulam os direitos e deveres do cidadão em relação ao Estado.
No
Espiritismo e no Iluminismo, Deus esta na Natureza e no homem. Para descobri-lo
temos a razão para nos guiar de forma segura (Vide pergunta n° 4, LE - Kardec).
Por volta de
1848, toda a Europa é agitada pela Revolução Liberal e Democrática,
desencadeando uma serie de tumultos populares, os valores éticos tradicionais
perderam a sustentação; não houve novos valores morais que pudessem substituir
o vazio que se instalara entre os homens.
O progresso
moral da humanidade, estagnado, distanciou-se cada vez mais do progresso
cientifico, sendo que a comunidade europeia desiludiu-se ante as grandes
conquistas alcançadas no campo da Ciência, que não satisfaziam seus anseios
espirituais.
Em meio a
esse contexto, exatamente em Paris, em 18 de abril de 1857, Allan Kardec, o
Codificador, publica o Livro dos Espíritos, que iria preencher o vazio
existencial da Humanidade.
Muito embora
toda a Europa já estivesse familiarizada com os fenômenos espíritas,
principalmente através do fenômeno das mesas girantes, tais fatos não passavam
de meros divertimentos nos salões sociais. A Doutrina vinha, para reabilitar,
de acordo com as orientações trazidas pelos Espíritos, o papel do homem frente
ao seu destino imortal.
Seus
valores, centrados no Evangelho do Cristo, mostravam a humanidade o caminho do
progresso espiritual, ao mesmo tempo em que trazia o consolo e a esperança que
os homens tanto almejavam.
Allan Kardec
deveria organizar o edifício desmoronado da crença, reconduzindo a civilização
as suas profundas bases religiosas.
Por isso, o
Espiritismo, enquanto Consolador Prometido por Jesus, só pode ser revelado aos
homens no contexto científico do séc. XIX, em meio a matemáticos, astrônomos,
botânicos, filósofos e físicos que fizeram a Ciência de seu tempo.
Allan
Kardec, Espírito missionário encarregado de ser o portador desta nova
Revelação, fora preparado para ser o elemento unificador do pensamento deste
século, pois unia seu rigoroso método científico ao submeter os fenômenos
espíritas a luz da razão, a integridade e pureza do seu coração.
No contexto
do século das luzes, na Franca, onde o Iluminismo assumiu sua feição
intelectual mais vigorosa, o Espiritismo é elaborado pelo iluminista-romântico
Allan Kardec. No “Caráter da Revelação Espírita”, verdadeiro tratado de
epistemologia (teoria do conhecimento, teoria da ciência) do Espiritismo,
Kardec define a natureza deste último:
“É, pois,
rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e
não produto da imaginação”. “As ciências só fizeram progressos importantes
depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então,
acreditou-se que esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o
é também as coisas metafísicas”. (Kardec).
Observando o
aspecto metodológico do trabalho investigativo de Allan Kardec é possível
constatar a significativa influência das principais vertentes do pensamento
Iluminista (Racionalismo, Experimentalismo, Evolucionismo) sobre o Espiritismo.
Todavia, não
apenas no método de elaboração o Espiritismo é herdeiro do Pensamento Iluminista,
mas também em toda a Teoria Espírita. No “Livro dos Espíritos”, obra que contém
a formulação da Codificação Kardeciana resumida em capítulos, encontramos a sua
parte terceira dedicada exclusivamente as “Leis morais”, todas elas concebidas,
estudadas, utilizadas e defendidas pelo Iluminismo.
Ao contrário
disso, o Espiritismo assume uma feição naturalista, isto é, concebe a evolução
da vida e da humanidade por meio de Leis naturais, entre elas a Reencarnação e
a Influência recíproca dos diferentes planos da vida. Enquanto o modelo da
ciência positiva instaurou o império da “razão objetiva”, passando a considerar
todo o conhecimento religioso um fóssil do passado, Allan Kardec no intercâmbio
com os “mortos” descobrira formas de vida e matéria em outras frequências e
planos.
Dessa forma,
Allan Kardec com sua infidelidade ao paradigma cientificista da sua época,
soube constituir uma nova ciência, uma nova linguagem, que em muito superou os
condicionamentos da ciência de Newton - cartesiana.
Afinal,
descrever formas de matéria cujo grau de eterização rompia com a física
corpuscular de Newton, em pleno século XIX, significou avançar na direção de
uma Concepção Quântica do Universo.
Sendo assim,
o Espiritismo é por um lado Iluminista em seu conhecimento racional das leis
que regem a evolução bio-psico-sócio-espiritual do gênero humano e por outro é
herdeiro da tradição filosófica do Romantismo, reencantando o mundo com os seus
valores, com o Amor e Fraternidade, elos profundos de cada nível evolutivo, em
cada reencarnação, em cada ser, em toda individualidade, em diferentes esferas
e manifestações da vida, na grande teia do universo que não é outra coisa senão
o pensamento de Deus.
BIBLIOGRAFIA:
KARDEC,
Allan - O Que é Espiritismo - cap. II, questões 161 e 162;
KARDEC,
Allan - O Evangelho Segundo o Espiritismo - cap. XV, itens 3 a 13; cap. XXVIII,
itens 1 a 8;
KARDEC,
Allan - O Livro dos Espíritos - Introdução - O Problema Religioso; Livro 2°,
questão 537;
KARDEC,
Allan - Obras Póstumas – 2ª Parte - Cap. “Minha Primeira Iniciação no
Espiritismo”.
XAVIER,
Francisco Cândido - A Caminho da Luz - Emmanuel - Cap. XXII e XXIII.
WANTUIL,
Zéus e Francisco Thiesen - Allan Kardec - vol. III.
SOUZA,
Denizará - (Revista Heresis) - Espiritismo e Iluminismo.
KARDEC, Allan - A Gênese, cap. I,
cap.II, e, 22, cap. XII, cap.
XIII; cap. XVII;
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